O CIRURGIÃO-DENTISTA DE HOJE
Muito mais do que executar a melhor técnica de tratamento, usar excelentes produtos e oferecer todo o conforto aos pacientes, o cirurgião-dentista, antes de tudo, deve estar preparado para receber os pacientes de uma forma mais humanizada e acolhedora. Isso porque, muitas vezes, eles não precisam apenas de atendimento odontológico. Eles também precisam de um tipo diferente de atenção.
Não quero dizer que é função do cirurgião-dentista agir como se fosse um psicólogo. Mas é dever do mesmo escutar, saber orientar e, quase sempre, encaminhar o paciente a um especialista se necessário. Digo isso porque não é de hoje que coisas do tipo acontecem nos nossos consultórios. Quantas vezes já conversei por vários minutos, tentando tranquilizar a pessoa que acabara de deitar na minha cadeira para tratamento, mas de um segundo para o outro entra em crise? Já vi muitas lágrimas correrem.
Durante o meu tempo de experiência possível, já tive que tomar decisões sobre realizar ou não o atendimento naquele instante de fragilidade. É um risco atender um paciente que está com a saúde mental abalada. É complicado quando percebemos que ele não deveria estar lá comigo, no consultório, mas sim em casa, recebendo o apoio da família. No
entanto, por incrível que pareça, é mais fácil desabafar com quem você pouco convive do que com está sempre ao seu lado.
O que mais vemos hoje são pessoas depressivas, angustiadas, com pânico (até de elevador), chorosas, de olhar caído de tristeza, deixando aflorar a intimidade e pedindo apenas uma brecha para desabafar. Quantas consultas não são pretexto para um pouco de prosa? Não sei se é só comigo que isso acontece, mas boa parte dos meus pacientes, que incluem também profissionais de outras áreas da saúde, me confessa que está doente. São doentes cuidando de doentes. Entendeu como isso é sério?
Também tenho notado que cada vez mais nós, profissionais da saúde, estamos estudando problemas de saúde pelos quais buscamos tratamento. Buscamos nossa própria “cura”. Entendo bem que a minha área de atuação (doenças bucais, mau hálito e deficiências salivares) irá me trazer pacientes com baixa autoestima, pessoas desconfiadas, cansadas e em busca de uma melhor qualidade de vida. É justamente por isso que eu e muitos outros profissionais, que fazem o mesmo que eu, passamos por coisas difíceis de imaginar.
Não seria pelo desconforto de estar deitado na cadeira do profissional cirurgião-dentista, pela fragilidade, por alguém estar tocando a boca, algo tão íntimo, que essas pessoas se sentem assim? Pode ser. Até mesmo porque o medo impede que muitos tratem a boca ou que façam a prevenção conforme indicamos. Uma relação de confiança, o toque suave e a credibilidade facilita essa troca entre profissional e paciente de forma que as coisas fiquem mais fáceis. Tão fáceis, que além do papel de cuidadores da saúde bucal, hoje, sem querer, tentamos amenizar e cuidar das dores da alma de grande parte dos nossos pacientes.